sexta-feira, 27 de março de 2009

"O tempo batia as asas. No mundo dela
era sempre noite. Mesmo de manhã, o
céu permanecia no mais completo breu.
Cansada daquela mesmice, passou a
questionar os porquês de sua existência
e da origem do mundo no qual vivia.
Procurava a lógica dos fatos e se perdia
em suas próprias explicações. Uma
idéia fixa martelava em sua cabeça:
precisava sair dali e descobrir se tudo era
sempre daeuele jeito ou se lá longe, bem
distante, haveria uma outra realidade. E
pôs-se a caminhar. Todo o chão era pouco
perto do desejo que a movia. E então
chegou numa das pontas do mundo:
tudo continuava a ser sempre daquele
jeito e lá longe, bem distante, não havia
nenhuma outra realidade. Deu a volta e
seguiu obstinada. Quanto mais andava
mais sentia o tamanhão do mundo.
Se seus pés brotavam calos. O corpo
padecia, descascava, transmutava. E
os porquês se tornavam cada vez mais
audíveis reverberando nos quartos de
seu coração. E no que cruzou o sul, o
norte, o leste e o oeste do mundo: tudo
continuava a ser sempre daquele jeito
e lá longe, bem distante não havia
nenhuma outra realidade. Quanto
mais andava mais sentia o tamanhinho
do mundo. Não havia mais pra onde
ir e seu corpo também não suportava
mais acompanhar o ritmo frenético dos
porquês de sua cabeça. A massa corpórea
dela padecia, pipocava, inchava. Achou
que fosse morrer naquele instante e
quando olhou de volta para si foi que
percebeu a transformação. O corpo dela
havia crescido tanto que já não cabia em
seu mundo. Com toda aquela pressão, o
céu foi se rasgando vagrosamente até
revelar a luz. Em seu mundo era
sempre dia. Mesmo de noite, as estrelas
garantiam uma luminosidade que ela
jamais poderia prever enquanto lagarta
andando dentro da caixa de sapato.
Agora era diferente. Ela batia as asas."

O Teatro Mágico em Palavras - Maíra Viana

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